Dossier de conteúdos do seminário ECONOMIA DA CONSTRUÇÃO
Versão integral. Clik aqui.
Apresentação e síntese
O sector da construção pode, actualmente, ser caracterizado por duas palavras: mudança e incerteza.
A recente evolução do mercado de obras públicas, marcada por uma redução do volume de investimentos e pela sua abertura a empresas estrangeiras (leia-se espanholas), obriga as empresas do sector a promover crescentes esforços de incremento de competitividade, que têm de ser realizados de forma continuada, mercê da permanente pressão motivada pela concorrência. Essa “iberização” do mercado induz à homogeneização de tecnologias, reduzindo o gap de produtividade do sector face à média comunitária (conforme referido pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Economia), por força de uma maior standardização da produção, envolvendo mais pré-fabricação e planeamento da construção, optimizando a afectação dos recursos envolvidos.
A acção do Governo consubstanciada, por exemplo, na criação da Autoridade para a Concorrência e na revisão (ainda em curso) dos diplomas que regulam o sector (desde logo o relativo ao Acesso e Permanência na Actividade e o Regime de Empreitadas de Obras Públicas), incide sobre os fundamentos da concorrência do mercado, criando as condições legais para fomentar a transparência do sector e contrariando a informalidade, com vista a diminuir a concorrência desleal, estimulando a eficiência e as melhores práticas. No mesmo sentido, a estratégia do IMOPPI quanto ao estabelecimento de redes de comunicação com autarquias e Ministério das Finanças, possibilita uma acção inspectora leve mas de elevada eficácia, o que releva para um cenário em que, segundo o Secretário de Estado das Obras Públicas «se estima que quase 17.000 empresas estejam a operar no mercado sem habilitação para tal».
A actual política de contenção orçamental e a recessão especialmente vivida em Portugal constituem o mote para o adiamento do investimento público e privado em construção, moldando um quadro de expectativas negativas quanto ao desempenho futuro do sector, pondo em causa a viabilidade das empresas financeiramente mais débeis, fazendo da simples partilha de riscos, através da cooperação empresarial, ou de outras formas mais profundas de coordenação empresarial, temas do dia.
O alargamento da UE aos países de leste, a abertura dos mercados do Magreb, assim como o desenvolvimento dos do Brasil e Angola ou, ainda, o despontar do mercado da reabilitação urbana que, segundo o Presidente do INH vale cerca de 27 mil milhões de euros, surgem como novas oportunidades de negócio, constituindo novos desafios que implicam novas competências, numa perspectiva de diversificação da actividade e numa resposta ao repto lançado pelo Secretário de Estado das Obras Públicas, quando afirmou que «o sector não pode apenas depender dos concursos que são lançados pelo Estado». A este nível, refira-se o actual movimento no sentido de facilitar a internacionalização das empresas, nomeadamente as de construção que, segundo o ICEP, representam já um volume de exportações de serviços na ordem do 600 milhões de euros.
Sobre tantas pressões no sentido da mudança, surgem outras tantas contradições associadas à interpretação do papel do sector, pondo em causa a linearidade das conclusões. A pertinência da abordagem ao Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) justifica-se pelo papel enquadrador que desempenha na prossecução da política orçamental portuguesa, em especial, pelos seus efeitos no investimento público. Reiterado por ambos os oradores convidados, o Prof. Doutor Eduardo Catroga e a Dr.ª Teodora Cardoso, fica claro que, antes de mais, a política orçamental deve ser contra-cíclica (“arrefecendo” quando a economia está “sobre-aquecida” e “aquecendo” quando está “arrefecida”), sendo a estabilidade uma necessidade «com ou sem pacto», nas palavras da economista. Porém, qual tem sido o papel do PEC nesse desiderato? Não evitou o sobre-aquecimento económico e não forçou a introdução de reformas quando havia margem para as efectuar, levando a que tais ajustamentos se fizessem quando era menos desejável (sem que por isso fossem menos necessários). Por motivos históricos, o défice público acabou por ser o indicador chave do pacto, ao contrário da dívida pública. Para aqueles economistas, o rácio da dívida deveria ter maior relevo na análise da situação de cada Estado-membro, até porque o enfoque no défice, conforme enfatizado pelo ex-Ministro das Finanças, inibe a realização de reformas que impliquem custos no curto prazo (que são a maioria), incentivando o recurso a práticas de contabilidade criativa.
Esta reflexão releva para o sector da construção, porquanto Portugal tem um problema de défice (excluindo as receitas extraordinárias em 2003 terá sido de cerca de 5%), mas tem uma dívida na ordem do 60% (ou seja, dentro dos limites definidos pelo Pacto). Quanto à dívida, como referido pelo Prof. Eduardo Catroga, «os países com dívida pública mais moderada deverão ter alguma folga para o reequilíbrio orçamental», ao mesmo tempo que, num quadro de efectiva consolidação orçamental, deve permitir-se que os «défices públicos sejam superiores na fase da abrandamento e recessão e sejam nulos nas fases favoráveis do ciclo económico» para, assim, «libertar recursos para as áreas estratégicas do investimento público».
Ora, ao longo do combate ao défice o sector da construção foi apontado como um nos quais era imperioso cortar, por força da impossibilidade de manter os níveis de investimento público. Porém, o Governo, pela voz do Primeiro-Ministro, aquando do balanço dos dois primeiros anos de governação, ao lançar as novas preocupações do executivo, citou como primeira prioridade o investimento em saneamento básico, até porque, conforme enunciado pelo Presidente da CCDR-N, o Dr. Arlindo Cunha, essa é uma imposição ditada pela própria Comissão Europeia.
Nas palavras do Secretário de Estado das Obras Públicas «são poucas as áreas em que o progresso se tenha feito sentir nas últimas décadas e em que o sector da construção não tenha estado presente, dando o seu contributo para a materialização das legítimas aspirações da sociedade em geral». Por outro lado, a Dr.ª Teodora Cardoso refere mesmo que (apesar de haver outras componentes de investimento que devam ser privilegiadas, como a formação de recursos humanos) «o défice total deve excluir algumas despesas de investimento, porque o actual princípio que a União Europeia consagrou no PEC leva a prazo à anulação da dívida pública, (…) o que não é o objectivo na cabeça de ninguém a começar pelos mercados financeiros internacionais, para quem tal é inimaginável». Da mesma forma, o Eng.º Mira Amaral se, por um lado, deixou bem claro que há mudanças que devem ser encaradas, importando «estarmos conscientes do [actual] padrão de desenvolvimento do sector da construção e obras públicas em Portugal» (como referido pelo Secretário de Estado das Obras Públicas), também aludiu, por exemplo, ao papel fundamental que o mercado habitacional desempenhou no pós-11 de Setembro, com reflexos no consumo privado americano e, por essa via, na economia mundial.
A desejada revisão do regime de arrendamento urbano, a entrada em vigor do novo regime de reabilitação urbana, o anúncio de novas obras públicas por parte do Secretário de Estado, segundo o qual já «em 2004 vão iniciar-se obras no sector rodoviário no valor de 1.690 milhões de euros, no aeroportuário no valor de 118 milhões de euros e no portuário no valor de 262 milhões de euros», juntando-se ainda «os 403 milhões de euros que o Metro do Porto vai investir só este ano» (tudo totalizando cerca de 70% das obras públicas realizadas em 2003, sendo esta comparação limitada por se desconhecer a programação temporal dessas verbas), são alguns sinais que importa atender num sector que, como salientado pelo Presidente da AICCOPN, «no cômputo dos anos 2002 e 2003, viu o Valor Acrescentado Bruto ter uma queda real de 14,9% (quase 700 milhões de euros), sendo directamente responsável por 54% da queda do PIB registada em 2003».
Por tudo isto o Seminário – Economia da Construção apresenta-se como um espaço privilegiado de reflexão, promovido na consciência de que, em mudança e em incerteza, para o sector a informação assume um papel chave, nomeadamente para a formação de expectativas futuras. O assunto é infindável, o que justifica que esta tenha sido a primeira edição de um evento que se renovará anualmente. A variedade dos temas abordados e o prestígio dos oradores chamados a intervir garantem a sua qualidade e pertinência. Para a AICCOPN, esta é uma iniciativa que se enquadra na sua estratégia de contribuir para o sucesso das empresas suas Associadas, a exemplo, aliás da sua intervenção no CCNI – Conselho da Construção do Noroeste Ibérico, entidade no âmbito da qual colabora com as congéneres da Galiza, Astúrias, Cantábria e Castela e Leão.
No mesmo sentido, a realização do presente dossier constitui uma transcrição feita pelos Serviços de Economia, visando fazer chegar a todos os Associados os principais conteúdos proferidos ao longo do seminário. Neste documento as várias comunicações surgem pela ordem do programa, sendo integralmente transcritos os discursos oficiais.